sexta-feira, 22 de julho de 2011

Wadaiko Sho em Assis



Neste último final de semana, dias 15 e 16 de Julho de 2011, recebemos em Assis o grupo paulistano Wadaiko Sho.
Há quase um ano atrás, final de julho / começo de agosto de 2010, comecei um contato com o Sensei Setsuo Kinoshita, que, desde o primeiro momento, mostrou-se extremamente acessível, propondo logo de cara o intercâmbio com o nosso grupo. Começamos então a pesquisar datas e agilizar detalhes burocráticos. No entanto, conciliar todos os envolvidos na idéia original se mostrou uma coisa praticamente impossível: Apresentação na FAC (Fundação Assisense de Cultura), workshop no Kaikan de Assis e mini-apresentação para os associados do Kaikan. Meses passaram-se, muitos emails foram trocados, muitas dúvidas esclarecidas mas nenhuma data foi possível. No entanto, mantivemos firme a intenção de trazê-los, movidos talvez pela curiosidade e por um impulso apaixonado por um taiko mais vivo, mais sensível, mais profundo.
Numa última tentativa, Setsuo Sensei propôs uma espécie de encaixe com sua ida à Bastos - uma passadinha por Assis, que fica pertinho... Ficou decidido então fazer  tanto a apresentação como o workshop em nossa casa, o Kaikan. E não é que deu certo? 
Sexta-feira, 15 de julho de 2011, por volta das três da tarde, chegam ao Kaikan Setsuo Sensei, Mitsue (mais conhecida como Mi-chan), Álvaro e Mozart (Monza?), pilotados pelo amigo Elias, trazidos numa van carregada de instrumentos que carregam 450 anos de tradição - que incrível... e este foi só o começo.
Fomos pegos no flagra, terminando de dar uma geral no Kaikan para recebê-los, tentando fazer de um quartinho empoeirado um camarim digno da presença do grupo. Neste primeiro momento, todos tímidos, cumprimentamo-nos, e logo voltamos ao trabalho. O grupo também não perdeu tempo, logo mobilizando-se para a montagem do palco, instalações de som, etc. Mozart, diga-se de passagem, quase morre do coração ao subir a escada para prender o banner (só não morreu pois, felizmente, lembrou-se de não olhar para baixo).
Passamos a tarde assim: na correria, mas com um belo sorriso no rosto, ansiosos e também nervosos graças ao ilustre convite de Setsuo Sensei, para que tocássemos algumas músicas na apresentação deles.
Seguimos o dia ajeitando o que era necessário ajeitar. Houve uma pausa para o lanche, conversamos um pouco, mas logo voltamos aos ajustes, aproveitando para dar uma passada rápida na música que apresentaríamos à noite.
Tudo encerrado, Setsuo Sensei nos avisa que dali a 20 minutos poderíamos ir para o hotel – antes, eles se aqueceriam por 15 minutinhos. “Pode fazer barulho?” ele perguntou. Nós sentamos e assistimos. A intensidade e, ouso dizer, guturalidade (se é que existe esse termo), do que presenciamos naquele momento foi estonteante. 15 minutos tocando Taiko sem parar – e sem a pretensão de esconder a cara de dor ou de cansaço, muito pelo contrário: doía, cansava, era nítido... mas tudo era expresso no Taiko, no kiai, no corpo que mergulha nalgum lugar interno, e consegue trazer à tona uma nova energia, um novo sentimento.
A apresentação proporcionou-nos uma gama de emoções que eu, particularmente, nunca havia sentido. Começando pela ansiedade e nervosismo, devido ao atraso do público assisense, mas também pela enorme responsabilidade que tínhamos: apresentaríamos no meio do show do Wadaiko Sho, sem muitos ensaios, e ainda estrearíamos a nossa primeira música autoral: Hiromi, em homenagem à querida amiga que começou o grupo em Assis. Terminada nossa participação, pudemos relaxar e sentir cada estrondo, cada reverberação, cada ribombo de coração nos Taiko ali tocados. As melodias entoadas ou tocadas na flauta, os kiai, os sorrisos - sempre os sorrisos de quem está ali fazendo algo que ama e oferece aos outros com sinceridade e reverência.
Após o término do show, muitas pessoas vieram abraçar-nos, cumprimentar-nos e, emocionadas, agrader-nos por trazê-los para Assis. Lembro-me de um amigo que me disse ter quase morrido desidratado de tanto chorar, extasiado com o trabalho do grupo.  De fato, a resposta do público não podia ter sido mais calorosa, tendo inclusive aplaudido músicas que, segundo Setsuo Sensei, dificilmente são tão bem recebidas pelas pessoas – mesmo um público mais refinado, como o paulistano, devida a sonoridade peculiar e estrangeira aos nosso ouvidos brasileiros.
Terminado o espetáculo, rumamos para a casa da Hiromi para, finalmente, comer, beber e comemorar. O famoso Yakissoba encomendado da nossa querida Tia Teresa agradou e muito todos os estômagos e paladares ali presentes. Ficamos todos muitíssimo à vontade, compartilhando histórias e experiências, emocionados com a amizade e admiração mútua que surgia.
No dia seguinte, voltamos ao Kaikan para o workshop com o grupo.
Num primeiro momento, nós, do Iki Wadaiko, estávamos realmente receosos, imaginando o que aconteceria no treino com o Wadaiko Sho. “Teremos que correr 15 kilômetros!”, pensávamos ingenuamente, o que nos rendeu boas piadas. Esperávamos algum tipo de workshop estereotipado, onde o Sensei, severo e imponente, submete o grupo iniciante à um árduo treinamento, fazendo-os exaurir-se e, desse modo, insinuar a ideia de que ninguém além dele mesmo é capaz de aguentar tal experiência.
O que aconteceu de fato foi possivelmente o extremo oposto disso. Um treino com muita conversa, muitos esclarecimentos sobre a história do Taiko, sua simbologia, seus sentidos. Setsuo Sensei proporcionou-nos uma experiência de extrema sensiblidade, mostrando-nos as sutilezas dos sons do Taiko, das diferenças entre um tambor e outro; contou-nos como eles são feitos, de que materias e de que maneira  são feitos, explicitando assim a necessidade de respeito e reverência ao tocá-los. Deu uma atenção especial aos bachi, as baquetas que usamos: como elas são feitas, as diferenças entre e uma e outra e o por quê de cada tipo. Fomos permitidos experimentar tocar os tambores do grupo, e sentir a diferença de um tambor que é feito com pessoas que trazem consigo a sabedoria de 450 anos na confecção de Taikos.
As experiências que tivemos com este workshop não poderiam ter sido melhores – não poderiam ter atendido melhor as nossas expectativas. Nós, sendo o grupo que éramos antes do contato com eles, já sentíamos de uma forma ou de outra a superficialidade com que muitas vezes o Taiko é apresentado por outros grupos. O receio que sentíamos antes do workshop era o da possibilidade do grupo ser como a maioria dos outros grupos, e apelar apenas para aspectos estéticos e físicos da relação como Taiko. Ainda que esta possibilidade fosse muito pequena, visto a apresentação do grupo e todo o contato que tivemos com eles, em nossas cabeças ela existia – e o que aconteceu no workshop, portanto, foi um alento, um incentivo à um Taiko diferente, e, como dito acima, mais profundo.
Encerrando o workshop, já na iminência da despedida, arrumamos rapidamente um o-bentô (marmitinha) para a viagem do grupo, e começamos a dizer tchau. Como foi difícil. Quase agarramos os integrantes, ou amarramos o motorista, numa tentativa desesperada de impedí-los de irem embora... quase. Mas não teve jeito. Tivemos que deixá-los ir.
Ficou no ar um sorriso silencioso, uma saudade já latente, uma falta de ar na tentativa de absorver tudo o que vivemos naquelas horas.
Toda a experiência que tivemos no contato com o grupo Wadaiko Sho nos rendeu realmente uma gama enorme de emoções, além de todas as informações que pudemos absorver. Mas sinto que, acima de tudo, o contato com Setsuo Sensei e todos os integrantes do grupo nos proporcionou a afirmação de que nossa história é digna de valor. Ao entrar em contato e indentificar-nos com o sentimento do grupo, tivemos esta afirmação de que a forma como nos relacionamos com o Taiko, entre os integrantes do grupo, bem como as importâncias que damos ao que fazemos juntos, são todos elementos importantes, que, antes de aprimorar técnicas de aspecto unicamente físico, ajudam a trazer à tona um sentimento, kokoro, tão necessário no ato de tocar Taiko.
Se tivesse que exprimir tudo o que senti nesse encontro numa única palavra, num único conceito/sentimento, ouso dizer que seria Honra:
敬意Keii
Palavra esta que, inclusive, contém o kanji , I de Iki, 意気, termo que dá nome ao nosso grupo (Iki Wadaiko) e que significa ânimo, vigor, espírito.
Ter conhecido o grupo Wadaiko Sho deu-nos mais iki ao nome que carregamos conosco.

Encerro este relato com os mais profundos agradecimentos, em nome de todo o Iki Wadaiko, à: Sensei Setsuo Kinoshita, Mitsue Iwamoto (Mi-chan), Mozart Junior, Álvaro Nishikawa e Elias.
Doumo Arigatou Gozaimashita!


Observação: em breve, postarei fotos do evento!